quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Saudades e Memórias I


Ainda me lembro como era aqueles dias, onde tudo corria bem. Sempre que passeava junto ao rio, ouvindo a água a correr, recordo-me de me sentar junto aquela árvore que dizíamos ter mais de mil anos. A sua sombra chegava até ao rio, víamos os peixes virem até à beira, brincávamos a dizer que estavam com tanto calor dentro de água que vinham aproveitar a sombra. Crianças inocentes que éramos. Tu lembras-te do jogo que fazíamos com as pedras mais pequenas, atirávamos ao rio e quem fizesse saltar mais e fazer com que fosse mais longe ganhava? Claro que te deves lembrar, ganhavas-me sempre. Acho que fazias batota, barafustava muito, de nada me servia. O castigo era sempre o mesmo, agarravas-me e atirava-me para a água. Como isso me irritava, mas tu também acabavas por ceder e entravas dentro de água. Ficávamos horas ali, a atirar água um a outro. Já com os dedos todos enrugados e os lábios roxos, vínhamos nos deitar ao sol. Era de todo impossível irmos para casa assim, encharcados. As nossas avós que apesar de tudo eram muito meigas connosco, refilavam sempre que isto acontecia.
Tão bom que era sentar no cadeirão baloiço que estava na varanda à espera do lanche, o típico pão caseiro com doce e o leite com chocolate. Tu que já tinhas a mania que eras crescido, bebias café. Dizias que era isso que te dava força e só por isso me ganhavas nos jogos. Nunca acreditei em tal coisa, por isso nunca mudei o meu lanche até hoje! Apenas mudei o sítio, agora fico de pé, encostada a uma janela minúscula a olhar para o prédio da frente. O que é feito daqueles pequenos momentos que passávamos, não falo das brincadeiras, isso é algum que ficará na nossa memória. Teve o tempo certo. Prometemos que iríamos passar sempre um dia a cada ano que passa-se, fizemos isso até à faculdade. As nossas vidas levaram uma reviravolta, depois das nossas avós terem partido, lá ir não fazia o mesmo sentido. Acabei por deixar de lá ir, até hoje!

Primeiro dia de férias, nada programado.

Fiz uma mala de roupa, e partir a descoberta. Saí sem rumo e era mesmo disso que eu precisava, e não era de agora. Já à muito que prometia ter férias sem programar nada! Quando dei por mim estava na estrada que dava acesso à nossa bela Vila. Por momentos passou-me todas as memórias que lá vivi, e como foi-me possível deixar de lá voltar. Parei em frente a casa da minha avó, o baloiço continuava no mesmo sítio, agora meio degradado. Ainda pensei em sentar-me, mas já não tenho mais o peso e o tamanho de quando passava ali a baloiçar. Antes de abrir a porta, inspirei fundo, o mesmo cheiro ainda pairava no ar. Estava tudo no mesmo sítio.

Corri para o 1º andar e abri a janela da sala de estar, ia-me intoxicando com o pó e ficando com a janela na mão. Mas agora se via que o meu avô tinha razão, esta casa durará muitos anos mesmo que se deixe ficar fechada. A vista estava cada vez mais bonita, o verde que se alargava no horizonte, o rio continuava limpo, nada tinha mudado. Eu é que tinha mudado, tinha deixado de saber apreciar o que me rodeava.

Pus mãos à obra e comecei a limpar, deu uma trabalheira mas mereceu a pena. Pedi a um carpinteiro que restaura-se o baloiço, ficou impecável!

Fui passear junto ao rio, reavivando memórias que me parecia tão distantes durante anos, e naquele momento juntou-se tudo. Conseguia ouvir-nos a brincar, achava eu. Afinal era uns miúdos mais à frente. Larguei uma gargalhada, e fiquei a admira-los. Parecíamos que éramos nós que ali estávamos naquele momento. Já era noite quando fui dar uma volta pela Vila, encontrei pessoas que já nem reconhecia. Fiquei tão feliz! A D. Alice perguntou-se te via com frequência, disse-lhe que não. Achou estranho, disse como era possível, andávamos sempre juntos e depois perdemos o contacto. Às vezes as vidas mudam, e não é porque quiséssemos.

Foi uma semana óptima.

Antes de me vir embora, fui até ao rio aproveitar um pouco tempo que me restava. Subi a ponte e fiquei ali debruçada a olhar a água límpida, os peixes à superfície desta vez não estavam à procura da sombra mas a comer as migalhas de pão que eu lhe estava a dar.

Senti alguém a aproximar-se, ignorei como faço sempre que prefiro aproveitar o momento. E não é que eras tu, francamente mais velho e essa barba não te favorece nada. Como sempre, insistes e dizes que te dá charme. Quem era eu para o negar, não fosse a ti lembras-te dos castigos que me davas e poderíamos acabar dentro do rio. Conversamos durante horas, parecia que o tempo não voara com tínhamos nos apercebido quando olhámos para o relógio.

Fizemos a promessa de voltar a encontrar uma vez por ano naquela ponte e tomar o lanche sentados no cadeirão de baloiço.

Despedimos-nos com um forte abraço e com a mesma frase, "tenho saudades de sermos amigos"...



Também eu tenho saudades de mim naquele tempo...


Continua... qualquer dia...
Photo: Jorge

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